“Hoje voltastes aqui à capelinha de Fátima, porque esta é a vossa casa”, disse na homilia da Missa Internacional Aniversária no Recinto de Oração por Monsenhor Rino Fisichella (Fátima, 13 agosto, 2017).
Na homilia, centrada na vida e no exemplo dos pastorinhos, D. Rino Fisichella sublinhou que tal como eles foram vitimas da perseguição e da maldade, e nunca desistiram, também a humanidade precisa de reencontrar uma nova forma de ser livre, através da oração e da conversão, explica o santuário.
O prelado lembrou as provações passadas pelos pastorinhos nesta data, há cem anos, quando foram impedidos de se deslocar à Cova da Iria na data `acertada´por Nossa Senhora devido “à maldade” e “à falta de fé” dos homens e como isso os afectou sem nunca perderem a esperança, adiciona a mesma fonte.
D. Fisichella concluiu dizendo: “Estamos diante do olhar materno da Mãe de Deus. Para lhe rezar, de tal modo que ela nos escute, é preciso fixarmos os nossos olhos no seu rosto e percebermos dentro de nós o quanto esse olhar contém de ternura e de compaixão. Diz-nos que nos quer bem, que somos seus filhos, que devemos confiar nela.”
Homilia de Monsenhor Rino Fisichella
Irmãos e irmãs, é domingo. E o dia do Senhor. Em todos os lugares do mundo, os cristãosreúnem-se nas suas igrejas para celebrar a memória da ressurreição do Senhor. Também nos estamos espiritualmente unidos a todos os nossos irmãos e irmãs, espalhados pelo mundo, para professar a única fé em Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Escutaremos dentro de momentos a Palavra de Deus, que nos ilumina no caminho da vida e vamos alimentarnos do Corpo e Sangue do Senhor Jesus, que é força e sustento para o nosso testemunho no mundo.
Para que o que celebramos neste momento, amparados pelas palavras que a Virgem Maria dirigiu aqui em Fátima aos Santos Francisco e Jacinta, e à Serva de Deus, Irmã Lúcia, possa dar fruto, reconheçamos os nossos pecados e, invocando misericórdia, peçamos perdão a Deus e à Igreja. Irmãos e irmãs, por que razão viestes hoje a Fátima? Tal como há cem anos, neste dia a Virgem Maria não se mostra aos nossos olhos. A maldade dos homens manteve afastados da Cova da Iria os três pastorinhos.
Na manhã deste dia 13 (treze) de agosto, Francisco, Jacinta e Lúcia recebem, sem esperar, a visita de Artur de Oliveira Santos. Chamam-no o latoeiro, por causa do seu trabalho, mas naqueles dias era o Administrador de Ourém. Ele é um livre pensador; confia somente naquilo que vê; a única verdade que aceita é somente a da razão. Está aqui, porque não aceita o relato das três crianças. Interroga-as em casa e na casa paroquial, mete-lhes medo com ameaças, porque quer saber o segredo que conservam.
Para as convencer, diz-lhes que as vai trazer aqui, à Cova da Iria, mas está a mentir. Pelo contrário, leva os pastorinhos para sua casa, em Ourém. Mete-os na prisão junto com alguns bêbedos e ladrões, e ameaça-os: “Ponho-vos a fritar em azeite!” Francisco é o mais corajoso; responde logo, cheio de convicção: “Se nos matarem, como dizem, daqui a pouco estamos no Céu! Mas que bom! Não me importa nada”. Mas são três crianças! Têm coragem, mas também medo por causa das ameaças e por causa daqueles bêbedos grandes e gordos que estão na prisão com eles. A Jacinta, a mais pequenina, quer a mãe, e chora. E então que um prisioneiro pega nela ao colo, e se põe a dançar para a levar a esquecer o medo. Mas é Lúcia que puxa do terço e os põe todos a rezar. Durante dois dias, aquele mentiroso latoeiro continua a meter medo aos três pastorinhos, mas por fim é ele que tem de ceder. E forçado a mandá-los para casa sem ter conseguido nada; fica de mãos vazias.
O relato desse dia de há cem anos leva-nos de novo de encontro à página do Evangelho que escutámos. Tal como a Pedro, também aos três pastorinhos é pedido para caminhar sobre as águas. A Linda Senhora vestida de branco pediu-lhes que tivessem confiança, que voltassem seis vezes à Cova da Iria, simplesmente para se encontrarem com ela. Não sabiam quem ela era; nem sequer conseguiam olhar bem para ela, uma vez que era tão forte a luz que emanava daquela visão; tinha-lhes mostrado o fogo do inferno e ensinado a oração para obter misericórdia; tinha-lhes prometido que os ia levar para o céu… enfim, como poderiam caminhar tão seguros sobre aquelas águas?
Também a nós, muitas vezes, é pedido para caminhar sobre as águas. As incertezas da vida, os momentos de dor e de sofrimento; parece que não somos escutados naquilo que pedimos, porque não sabemos pedir; que é que nos espera depois desta vida? Quantas dúvidas tomam os nossos passos vacilantes como os de Pedro e parece que vamos afundar! E, no entanto, agarram-nos as mãos de Cristo que nos torna a levantar e nos segura abraçados a Ele. O Santo Doutor da Igreja, Gregório de Narek, bispo na Arménia no final do primeiro milénio, escrevia assim: “Agarraste-me pelos pulsos para me puxar até Ti e não me partiste nenhum osso, não me fizeste mal nenhum”.
Quantas vezes vivemos a experiência do pecado, do afastamento de Deus e do seu amor. Talvez até nos sintamos livres e contentes, mas é uma ilusão dramática. Afundamo-nos cada vez mais, longe de nós mesmos e incapazes de manter verdadeiras relações de amizade, de sinceridade e de amor. Cristo agarra-nos e, segurando-nos bem próximos de Si, não nos impede de sermos livres, não nos faz mal, mas dá-nos a possibilidade de descobrir a verdadeira liberdade e abre diante de nós horizontes de paz e de alegria, tão desejados e nunca alcançados, porque sem Ele não podemos fazer nada.
Aqui em Fátima, a Mãe de Deus recorda-nos a essência da vida cristã, feita de conversão, de silêncio, de oração e de testemunho da caridade. As suas palavras aos três pastorinhos, “Quereis oferecer-vos a Deus?”, são hoje dirigidas a cada um de nós. Dentro de momentos, durante a oração eucarística, escutaremos as palavras: “O Espírito Santo faça de nós uma oferenda permanente, a fim de alcançarmos a herança eterna, em companhia dos vossos eleitos, com a Virgem Santa Maria, Mãe de Deus, São José, seu esposo, os bem-aventurados Apóstolos e gloriosos Mártires, e todos os Santos”.
E daqui que provêm a força da nossa fé, a certeza que temos para a nossa esperança, a profundidade da caridade: viver a nossa existência como filhos de Deus e como novas criaturas, sabendo que temos a companhia da Virgem Mãe e de todos os santos. A primeira leitura que escutámos conta-nos a experiência do profeta Elias. E um homem que foge porque tem medo. Querem matá-lo, porque tem fé em Deus. Esta é hoje também a experiência de tantos nossos irmãos e irmãs, forçados a fugir apenas porque carregam consigo o nome de cristãos. Muitos dentre nós sabem o que significa a distância de casa, da família, dos afetos; sabem o que significa viver num país estrangeiro.
Hoje voltastes aqui à capelinha de Fátima, porque esta é a vossa casa. Há cem anos, neste dia treze de agosto, estavam aqui pelo menos vinte mil pessoas. Tinham vindo para assistir à aparição e para ver os três pastorinhos. Ao meio dia em ponto, todos ouvem um inesperado trovão, tão forte que fez tremer a terra; vem também um relâmpago capaz de cegar a vista e uma nuvem pousou em cima da azinheira durante alguns minutos. E a mesma cena que ouvimos em relação ao profeta Elias. Naquele vento e naquele terramoto não estava Deus; naquele trovão e naquele relâmpago não estava a Virgem Maria.
Quando veio o murmúrio do vento, então, sim, o profeta cobriu o rosto, porque percebeu que estava na presença de Deus. Na língua hebraica, a palavra que indica o “sussurrar da brisa” deve traduzir-se como “silêncio”. Quando se fez silêncio, então o profeta compreendeu que Deus estava presente. E a mesma experiência que nós fazemos. O santo bispo Inácio de Antioquia recordava nos inícios do segundo século que “o Pai pronunciou uma palavra, e foi o seu silêncio; Ele fala sempre no silêncio”. Se desejamos descobrir a riqueza da oração e da fé precisamos do silêncio, o verdadeiro e genuíno silêncio, aquele que abre o coração para a escuta da voz de Deus que fala.
Estamos diante do olhar materno da Mãe de Deus. Para lhe rezar, de tal modo que ela nos escute, é preciso fixarmos os nossos olhos no seu rosto e percebermos dentro de nós o quanto esse olhar contém de ternura e de compaixão. Diz-nos que nos quer bem, que somos seus filhos, que devemos confiar nela. Tornaremos, assim, às nossas casas, levando connosco a certeza de que o que é importante não é o que ela é para nós, mas sim o que nós somos para ela. Somos os seus filhos. Fiquemos agora alguns momentos em silêncio. Que a palavra que nos foi dirigida continue a provocar a nossa mente para refletirmos; que o nosso coração se abra à oração. Rezemos com as mesmas palavras com que iniciámos esta santa eucaristia: “O Deus, a quem podemos chamar nosso Pai, fazei crescer o espírito filial em nossos corações”.